- #quarentena
- #geração
- #cuidadores
Olá, isto é um livro sobre alguém, não devemos ter medo das palavras, que eu amo muito, Jacques Brel. E a minha primeira ideia foi pegar num poema de Brel e era só escolher, mas depois preferi pegar numa frase dele.
Numa determinada altura, numa conversa sobre como é que nós desempenhamos os nossos papéis na vida ele respondeu assim: - É preciso fazermos, ou tentarmos pelo menos, fazermos tudo com um espírito de amadores, mas como profissionais. É uma frase muito bonita, porque a verdade nua e crua é que nós somos amadores nesta coisa da vida, tanta coisa que na vida nos surge e nós não tínhamos experiência nenhuma, não tínhamos formação, etc... Mas por outros lado a nossa nostalgia é fazer bem. Como um profissional.
Nós hoje estamos a falar de geração sanduíche que é uma daquelas expressões, porque há expressões que para falar com franqueza não me tocam e que eu emprego, por dever profissional, mas esta, acho que me tenho portado bem, não tenho falado muito calão, vão-me permitir que empregue um verbo que no Porto com frequência nós utilizamos, esta expressão foi muito bem esgalhada. De que é que nós falamos, se eu me esquecer de qualquer coisa eu vou lá ver, de que é que nós falamos, quando falamos de geração sanduíche? Daqueles que estão no meio e estão no meio de que outros? Estão no meio daqueles que estão a crescer e daqueles que estão a chegar ao fim da vida. E que muitas vezes têm de ser cuidados por esta geração, que em geral anda pelos quarenta, cinquentas. Ajudar uns a crescer, ajudar outros a chegarem nas melhores condições possíveis aos fim da vida.
Bom, então já temos, uns a crescerem, outros a envelhecerem com grande probabilidade temos um companheiro ou uma companheira, neste mundo com alguma probabilidade podemos ter um ex-companheiro ou uma ex-companheira, um patrão. E é muito curioso nesta faixa etária uma das perguntas que eu mais ouço aqui é as pessoas dizerem assim: - E no meio disto tudo, onde é que fico eu? E no meio de todas estas tarefas, onde é que há tempo para mim? Pouco. Para além disso, se educar a ganapada já não é propriamente a tarefa mais fácil do mundo, com os mais velhos não é raro que depois ainda precisemos de saberes especializados. Bom, às vezes a nível físico nós somos obrigados até a tarefas semelhantes não é, quando a ganapada ainda é muito pequena, nós temos de os cuidar literalmente, às vezes quando já não há autonomia nos mais velhos, nós também temos de o fazer, mas não é só isso, e as preparações específicas? Os saberes específicos, sei lá para acompanhar diabetes, para acompanhar alzheimer, tudo isso. Lá vem, como é evidente a velha frase que é - O dinheiro não dá felicidade, mas ajuda muito. - nós podemos ter dinheiro para contratar ajuda especializada, mas isso também não é tão simples como pode parecer, a geração sanduíche muitas vezes debate-se com sentimentos de culpa em relação aos mais velhos, porquê? Porque pensa - Não, mas quem deveria fazer isto era eu. - olhem vulgaríssimo, a questão de procurar a colocação de alguém mais velho, um pai ou uma mãe num lar.
Alguns de vocês sabem, outros podem imaginar, são períodos longos de angústia, porque a pessoa sente isso como uma traição - Agora vou fazer isso? - por outro lado há outras pessoas que não têm nenhuma hipótese em termos económicos de o fazer e pode não ser só o pai ou a mãe, às vezes é a sogra, de vez em quando aliás, com a baixa natalidade não é raro que esta geração sanduíche tenha a seu cargo mais idosos do que crianças. O que nos dá que pensar. E como lhes dizia à um bocado, lidar com as novas formas de família, não é? O meu querido amigo José Gameiro, há uns anos largos escreveu um livro que é - Os meus, os teus e os nossos - pois é. Portanto também é preciso gerir isso.
Bom e nesse sentido esta geração, muitas vezes anda ao papéis e é importante transmitir a ideia de que a ansiedade, o cansaço que chega à exaustão, às vezes a depressão que começa também a insinuar-se são sinais de alerta para que façamos algo, eu nunca me canso de repetir isto e juro que não é publicidade ao meu consultório, que é assim - façam-no até com o vosso médico de família, mas quando nos sentimos a rebentar pelas costuras, devemos pedir ajuda. Devemos falar com um profissional, descrever como nos estamos a sentir, às vezes ele pode-nos dizer que se justifica medicação, outra vezes pode-nos dizer que pensarmos em voz alta em paralelo chega. Mas é mais fácil dizê-lo que fazê-lo, mas é preciso termos também um sentimento tão prosaico como este - se não cuidarmos de nós, de forma a que estejamos minimamente pacificados e funcionais, nós estamos mal e aqueles que nós tentamos cuidar o melhor possível, também vão pagar as favas disso. Nós vamos ficar mais irritáveis, vamos ficar menos disponíveis, sem nos apercebermos distanciar-nos emocionalmente para nos protegermos e não é isso que nós desejamos.
Porque, é assim, suponhamos que, não vamos complicar, e portanto suponhamos que estamos a falar de uma sanduíche de fiambre, não estamos a falar de mistas e muitos menos da famigerada Francesinha à moda do Porto, o fiambre somos nós e há duas fatias de pão, uma cresce, a outra envelhece. Se nós não estivermos em boa forma aquilo que vai acontecer é que esta sanduíche, se quiserem até podemos dizer, esta tosta para estarmos mais juntos, pode eventualmente começar a separar-se. Nós, o fiambre, ficamos inseguros a baloiçar e vemos com preocupação uma geração crescer com menos apoio do que nós desejaríamos e outra a preparar-se para nos deixar também com menos apoio do que desejaríamos, portanto, sigam o meu conselho.
Agora vou dizer, duas vezes para a geração sanduíche, cuidem-se em vosso nome e das duas fatias de pão e para vocês todos, até à próxima vez, cuidem-se.
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