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Prof. J. Machado Vaz: Olá. Vamos falar de cancro.
Mas eu não quero que haja confusões. É que nós estamos no Arquivo da Casa da Arquitetura, e eu não precisei de ir a nenhum arquivo para descobrir quem gostaria de convidar para falar sobre este tema.
Tenho cá o Prof. Manuel Sobrinho Simões - vão-me desculpar - que eu tratarei, como é óbvio, por Manuel durante a nossa conversa.
Prof. J. Machado Vaz: - Manuel, bem-vindo. Sem querer de modo algum beliscar a tua associação livre, há algo que eu teria de te lançar como desafio: Porque é que, tantas vezes, tu fazes questão de sublinhar que o cancro tem que ser cada vez mais encarado como uma doença crónica?
Prof. M. Sobrinho Simões: Ora bem, primeiro, gosto muito de estar aqui contigo.
Prof. J. Machado Vaz: - Muito obrigado.
Prof. M. Sobrinho Simões: - O sítio e contigo.
Bem, é assim: há duas coisas em relação ao que é crónico. Uma é a ideia de que demora muito tempo a fazer um cancro. E essa as pessoas têm de perceber isso. As pessoas têm muito a ideia de que “Ah, apanhei um cancro”. Não se apanha um cancro. Os cancros vêm de dentro e demoram muitos e muitos anos, na maior parte dos casos, a fazerem-se. Portanto, desde o início não é uma doença aguda.
As pessoas geralmente pensam só a segunda parte e - também referes-te a isso, o que é muito interessante - que é: independentemente do tempo que demorou a fazer, nós sabemos que cancros, por exemplo, do rim podem demorar 30 anos ou 40 anos a ter 2, 4 ou 5 centímetros; um cancro da mama pode demorar 8 a 10 anos a ter 1 centímetro ou 2 centímetro. Mas portanto, para além desse tempo antes, há agora aquilo que é a doença.
E aí tens toda a razão, é crónico agora, porque nós, hoje, somos capazes de controlar o crescimento. Nós não o curamos, muitas vezes.
Isto é, nós curamos sempre quando o cancro é inicial e quando o diagnóstico é precoce. E é muitas vezes cirúrgico ou por radioterapia. Mas quando não é - quando já é um cancro que está de alguma maneira avançado - é possível torná-lo numa doença crónica. É o que estamos a fazer.
Prof. J. Machado Vaz: - O que acaba por ter algumas semelhanças com a SIDA, por exemplo.
Prof. M. Sobrinho Simões: - Com a SIDA, com a Diabetes e com a Obesidade. As doenças são doenças crónicas que passam pelo hospedeiro, também, a sua capacidade de tornar o processo, num processo que é da interação entre as células malignas e o hospedeiro, e fazer uma evolução no sentido da cronicidade.
A palavra crónica é uma palavra que nós usamos com muita facilidade em relação a todas as inflamações. Por exemplo, a Tuberculose era uma inflamação crónica infeciosa.
O cancro é, de alguma maneira, também uma doença de interface entre o cancro e a pessoa. E nós hoje, estamos a transformá-la numa doença crónica.
Prof. J. Machado Vaz: - E Nesse sentido, do lado da pessoa - que não dos profissionais - o que é que, eventualmente, pode haver em termos de latitude de comportamentos que a favoreça?
Prof. M. Sobrinho Simões: - Tudo o que ela puder fazer que reforce o hospedeiro, ajudando a tratar com alguns medicamentos que enfraquecem as células malignas - a gente diz que são malignas porque é um cancro. Não são muito malignas, na maior parte dos casos, mas são malignas potenciais. E então, o truque hoje, é dar a impressão de que se nós reforçarmos as defesas do hospedeiro, isso é tão ou mais importante do que os tratamentos muito agressivos contra as células malignas.
Prof. J. Machado Vaz: - É de mim ou, como pano de fundo, o que tu disseste está, por exemplo, quimioterapia vs imunoterapia?
Prof. M. Sobrinho Simões: - Em conjunto, sempre. É sequencial. Portanto, tu começas por utilizar, por exemplo, a quimioterapia ou a radioterapia e, em segundo lugar, fazes a imuno, a imunoterapia aumentado a resposta do hospedeiro contra as células malignas. Depois, voltas a utilizar uma sequência de quimioterapia ou radioterapia. E isto agora é permanente. A solução é, no fundo, a existência de uma sequência de tratamentos.
Prof. J. Machado Vaz: - Sabes porque é que eu acho isso importante? Se calhar vou dizer a primeira das asneiras que direi nesta conversa - mas é que, parece-me haver na nossa sociedade, sobretudo em classes culturalmente mais favorecidas, um certo discurso que tem tendência a pôr imunoterapia e quimioterapia em oposição.
Prof. M. Sobrinho Simões: - Pois, e é um disparate.
Prof. J. Machado Vaz: - E o que tu acabas de dizer significa que pode ser um disparate absoluto.
Prof. M. Sobrinho Simões: - É um disparate. Portanto, nós não temos capacidade nenhuma em relação a cancros avançados, - não temos nenhuma hipótese - de usar uma monoterapia. É impossível. Mesmo quando era quimioterapia, já era com diversos medicamentos. O que, de resto, também é uma coisa que é espantosa: é que nós por exemplo, às vezes os doentes têm um cancro, e deixam de responder a uma terapêutica, e ele tem de mudar o medicamento. Nós sabemos que passado um ano, ele às vezes volta a ser sensível ao medicamento anterior. Portanto, isto é importantíssimo. Significa que nós, permanentemente, temos que estar atentos. E é por isso que isto é personalizado - não é precisão, é a personalização. - E é a capacidade de voltar atrás e ver, quem sabe, vamos voltar ao mesmo medicamento.
Prof. J. Machado Vaz: - Isso agrada-me muito, porque, ou muito me engano ou tu também navegas nas minhas águas que é: não és um grande adepto da expressão “medicina de precisão” mas, em contrapartida, gostas muito de medicina personalizada.
Prof. M. Sobrinho Simões: - O regresso à personalização. E com recurso, muitas vezes, a coisas terapêuticas que eram tradicionais e que deixaram de se usar, mas vamos experimentar mais tarde e, às vezes, e voltam a responder. Porque o cancro - e agora voltamos àquela minha coisa inicial - demora muito tempo a fazer, porque nós temos muitas células diferentes. As células são filhas de uma mesma mãe há muitos anos, mas depois têm milhares e milhares de células diferentes. E sabemos que, se tratarmos bem, nós podemos, por exemplo, atingir uma percentagem X, e, depois, essa deixa de responder. (Muito bem), e a gente abandona esse medicamento e começam a crescer as outras células - porque essas morreram e estas, agora, estão a crescer. Nada impede que se passe 1 ano naquele equilíbrio, porque há sempre uma competição entre as células. As células são heterogéneas. É um tecido. E, então, pode acontecer que volte a aparecer aquele clone - que é um conjunto de células iniciais que tinha desaparecido. Havia uma quantidade pequenina que tinha ficado noutra área do cancro e que, agora, volta a crescer e volta a responder. Mas isto só se faz, se a pessoa puder seguir os doentes - e é personalizado.
E agora, as pessoas pensam assim: “Ah, mas então, quer dizer, passamos a vida a fazer biópsias?”.
Não. Porque, nós podemos hoje fazer o estudo das células no sangue. Portanto, nós hoje temos o que chamamos de biópsias líquidas.
Repara - já agora um parêntesis - as pessoas têm a mania de dizer esta coisa: “Vamos fazer isto, para ver se as pessoas têm células em circulação.”
(Deus me livre!) Isto não é um diagnóstico de screening. Tu não podes dizer: “Vejam-me aí se tenho células”, porque todos nós, em circulação, temos células potencialmente malignas - que, felizmente não vão dar chatices - mas com mutações.
Mas se, eu já conhecer muito bem o cancro, que é do doente Silva - e que eu sei já quais as alterações que ele tinha na primeira vez, porque pude estudar a peça - eu, a partir de agora, tenho uma espécie de mapa e eu posso ir procurar as mutações que tinha visto, inicialmente. E vejo quais são as que estão a aparecer e a desaparecer. A aparecer e a desaparecer. Portanto, é personalizado e ao longo do tempo.
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